João Leite, psicólogo português e especialista em processos de aprendizagem, oferece uma reflexão provocativa sobre o impacto da inteligência artificial na educação e na formação de habilidades humanas. Em sua palestra no XII Encontro Nacional de Formadores, promovido pela Forma-te, ele destaca a importância do desconforto no processo de aprendizagem, criticando a forma como a tecnologia, ao simplificar respostas, pode retirar o incômodo necessário para o desenvolvimento cognitivo.

“O incômodo foi sempre a grande pedra de desenvolvimento e a grande pedra da aprendizagem”, afirma Leite, ressaltando que a verdadeira aprendizagem nasce de desafios que forçam a mente a se adaptar e a encontrar soluções inovadoras.

“O incômodo foi sempre a grande pedra de desenvolvimento e a grande pedra da aprendizagem”,

Leite alerta sobre o desequilíbrio entre a quantidade de informação disponível e a falta de contexto para processá-la. “Temos cada vez mais manteiga e menos pão, o que significa que temos informação em excesso e contexto insuficiente para absorvê-la”, aponta Leite. Esta metáfora ilustra como a sobrecarga de dados sem um entendimento crítico pode ser prejudicial, tornando difícil distinguir o que é relevante.

Para João Leite a inovação nasce da imprevisibilidade e da capacidade de integrar o acaso, o erro e o absurdo como elementos fundamentais do pensamento criativo. Ele ressalta que, diferentemente da lógica estruturada e previsível, a verdadeira inovação não surge da reprodução de padrões, mas da exploração de possibilidades inesperadas. “A lógica nunca produz inovação; o que produz inovação é o pensamento criativo. Depois, sim, precisamos da lógica para transformar a criação em algo aplicável”.

Ele descreve que muitos avanços tecnológicos, como o radar ou os sensores de estacionamento, foram resultados de acidentes ou ideias aparentemente absurdas. Isso ilustra como o processo criativo depende de uma mistura de fatores aleatórios, em oposição ao raciocínio puramente lógico, que apenas organiza o que já é conhecido, aspecto intrínseco das IAs generativas.

Uma das metáforas mais impactantes usadas por Leite compara a inteligência com a esperteza. Ele descreve a inteligência como um processo contínuo, cheio de erros e ajustes, enquanto a esperteza é apenas uma habilidade superficial que busca resultados rápidos. “A inteligência é um processo que não é acabado, é reconstruir a própria caminhada e, acima de tudo, rir de si próprio”, ele explica, sugerindo que o valor da inteligência está na sua capacidade de autocrítica e aprendizado constante.

Leite também usa a metáfora dos patins para ilustrar a diferença entre eficiência mecânica e o processo de aprendizagem. “Os patins são ótimos para nos levar mais rápido, mas são péssimos para dormir. Não há patins que ponham as pessoas a sonhar”, comenta, indicando que, embora a tecnologia possa acelerar o acesso à informação, ela não é capaz de substituir o poder transformador da imaginação e da criatividade humana. A crítica aqui não é à tecnologia em si, mas à maneira como ela é utilizada, muitas vezes substituindo a reflexão e o pensamento crítico por soluções instantâneas.

O psicólogo ainda argumenta que a aprendizagem deve ser um processo personalizado e significativo, onde o aprendiz deixa sua marca única. Ele chama isso de “construção com assinatura” e avisa que, se a aprendizagem não tiver essa marca pessoal, se torna mero “enfardamento” de informações, sem valor real para o crescimento individual.

Leite também reflete sobre a digitalização da inteligência escolar, na sua percepção o uso da inteligência artificial nas escolas está ligado a produtividade operacional do ensino, e não necessariamente promovendo a aprendizagem significativa. Ele sugere que, muitas vezes, a tecnologia é usada para mecanizar processos educacionais, sem considerar a importância da construção de significado e do envolvimento emocional no aprendizado. “A aplicação da inteligência artificial na aprendizagem está mais próxima da digitalização da inteligência escolar, valorizando a esperteza em vez da inteligência”, alerta Leite.

Ele conclui ressaltando o papel essencial das histórias e das metáforas na aprendizagem. Essas ferramentas, explica Leite, tomam o cérebro “de assalto”, ativando emoções que tornam o aprendizado mais profundo e memorável. “A metáfora e a história tomam o nosso cérebro de assalto, induzindo o molho da aprendizagem, que é a emoção”, ele afirma, defendendo que o aprendizado real só ocorre quando estamos emocionalmente engajados.

A palestra de João Leite é, portanto, um convite a refletir sobre como a tecnologia deve ser integrada à educação de forma a não comprometer a essência da aprendizagem humana, que é feita de erros, descobertas e momentos de verdadeiro insight. É um chamado para valorizar o processo, respeitar o tempo de cada aprendiz e nunca perder a capacidade de sonhar e criar.

Assista a palestra completa aqui:

VAMOS FALAR DE ARTE, TECNOLOGIA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL?